Como funciona a tomada de decisão neutra no processo seletivo de Engenharia e Produto da Loggi

Fernanda Pires
Loggi
Published in
5 min readJan 19, 2022

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O aumento no número de empresas que começaram a abordar o tópico da diversidade de maneira recorrente tem sido notável nos últimos tempos, diferentemente de como era há alguns anos. É um movimento interessante e positivo, mas se comparado ao cenário que ainda temos em posições estratégicas dentro das empresas, sabemos que ainda há muito a ser feito.

Aqui na Loggi, sempre tivemos a diversidade como um valor inegociável. Nos últimos anos, passamos a traduzir esse modo de ser e pensar em posicionamentos e ações práticas. No recrutamento em tech não foi diferente: tornamos ações de diversidade parte do nosso processo de seleção.

Quando pensamos em ações de diversidade, a área de Recrutamento e Seleção acaba sendo constantemente acionada, uma vez que é a porta de entrada para a empresa e pode diferenciá-la no modo de atrair — junto ao time de marca empregadora — ao incluir no processo seletivo diversos tipos de perfis.

Por aqui, isso já é uma realidade há algum tempo. Contamos com práticas como hunting direcionado, programas de indicação e projetos que incluem a ajuda dos grupos minorizados da Loggi para encontrarmos e atrairmos o maior número possível de perfis para o nosso time. Sem contar os programas focados em mentoria e formação de novos talentos, já que entendemos que o mercado está longe de ser diverso e inclusivo.

Nós sempre procuramos ir além do “atrair e recrutar”. Também tentamos envolver outros grupos para aprender e evoluir sobre esse tema. Nessas conversas, surgiu uma ideia que já é parte do nosso processo seletivo há um tempo por aqui: o Slotting Neutro — e vou contar um pouco dele a seguir.

O processo seletivo

Nas áreas de Engenharia e Produto, temos um processo seletivo que conta com entrevistas com a área de Pessoas, uma entrevista técnica de histórico e a entrevista técnica prática. Após a pessoa candidata ser aprovada nessas fases, temos um comitê interno que acontece semanalmente, o “Slotting”. Nele, nos encontramos com as lideranças da área para olhar para o processo dessas pessoas como um todo e tomar, de maneira colegiada, a decisão de seguir ou não com a contratação.

Um ponto importante é que, no Slotting, estão presentes gerentes que não participaram do processo dessas pessoas candidatas enquanto entrevistadores e entrevistadoras, mas que estão calibradas o suficiente para tomar uma decisão, já que a régua e a trilha de carreira da Loggi são bastante claras para o time.

Olhando para esse processo de tomada de decisão, pensamos que seria incrível e desafiador torná-lo neutro — já que não é necessário saber nome, gênero, idade e outros dados pessoais para “bater o martelo” em relação à contratação de alguém.

Como implementamos o processo neutro

Tudo começou com uma parceria com o time de Design, que já havia desenvolvido o nosso guia de escrita, a Clarice. Esse material existe para mantermos uma comunicação única e bastante característica enquanto empresa. E uma das coisas que a Clarice preza é o uso da linguagem neutra. Com essa parceria, conseguimos entender qual caminho seguir para darmos o pontapé inicial nesse processo.

Realizamos um treinamento para todas as pessoas entrevistadoras — tanto as da área de Pessoas quanto as da área técnica — para que todos os relatórios de entrevistas fossem escritos de maneira 100% neutra. Não mencionamos nome, gênero, idade e outros dados, focando na experiência e histórias contadas pela pessoa candidata no momento da entrevista.

Por um mês, realizamos alguns testes de utilização dessa linguagem nos relatórios das entrevistas e deu tudo certo, com apenas alguns pontinhos de ajuste. Um time com cerca de 15 engenheiras e engenheiros nos ajudaram nesse passo, que foi primordial.

Na prática, bem resumidamente: ao descrever num relatório as entrevistas realizadas, o pessoal substitui “ele disse que fez um projeto” por “a pessoa candidata disse que fez um projeto”; “o time dela era composto” por “seu time era composto por”; “os desenvolvedores do time” por “as pessoas desenvolvedoras do time” etc. Hoje temos um time de mais de 80 pessoas entrevistadoras devidamente treinadas e que entendem o propósito deste pequeno — mas tão importante — ajuste.

Treinamos também todas as pessoas participantes do comitê de Slotting, de modo a evitarmos vícios de linguagem. Com isso, conseguirmos conduzir todo o fórum de maneira neutra, nos referindo à quem participa do processo como “pessoa candidata”.

Também estabelecemos maneiras de trazer toda a informação necessária sobre a pessoa candidata para a reunião de Slotting de um modo claro e pouco burocrático. Criamos uma interface bem simples, onde se encontram os relatórios neutros e o currículo da pessoa candidata, agora com dados pessoais cortados e traduzido para o inglês: assim não encontramos nenhum vestígio de viés de linguagem caso tenhamos a necessidade de ler suas informações.

Por fim, criamos também a dinâmica da “pessoa guardiã da linguagem neutra”, pessoa aleatória que fica responsável, durante o fórum, em chamar a atenção caso alguém utilize linguagem que não seja neutra ou revele a identidade da pessoa candidata.

Cenário de aprovações e contratações

Uma informação incrível é que, em 2021, a média de aprovação de mulheres no slotting foi maior que 90%. Foram mais de 100 mulheres contratadas para o time de tecnologia, que hoje conta com mais de 30% de mulheres. No mercado, este número é inferior a 20%, segundo o IBGE.

Além disso, o próprio discurso acaba mudando quando recebemos treinamento para nos referirmos às pessoas sem ter que falar sobre gênero, principalmente numa área onde o gênero masculino predomina tanto.

Ponto de partida

Sabemos que, naturalmente, ainda contamos com dados abertos nas outras fases do processo seletivo. Entretanto, tivemos que optar por uma das fases para iniciar esse movimento. Nela, encontramos maior facilidade e dados bastante expressivos para ter por onde começar.

Sabemos que, por exemplo, análises de currículos neutros ou transformação de entrevistas em um processo neutro nos faria depender de softwares externos. Então, por enquanto, optamos por algumas escolhas mais manuais, como priorizar intencionalmente o hunting para grupos minorizados e agendar entrevistas de mulheres com outras mulheres do time, por exemplo.

E isso é só o começo!

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